José Avillez

Nome incontornável do panorama de talentos nacionais, José Avillez, em entrevista, sobre a experiência com Ferran Adrià, as inspirações, as memórias, o Bacalhau à Brás, a cozinha contemporânea...

Qual foi o ponto de viragem da sua carreira?

No meu percurso, o mais importante e decisivo foram as pessoas que conheci, sem qualquer dúvida. Destaco a Senhora D. Maria de Lourdes Modesto e o Eng. Bento dos Santos. Devo-lhes muito, tanto em termos de conhecimento, como de incentivo. Todos os estágios e formações que fiz, tanto em Portugal como fora (França, Brasil…), foram igualmente muito importantes, mas destaco o estágio no El Bulli – sem dúvida, a experiência mais marcante, decisiva e transformadora da minha carreira. Ferran Adrià libertou e acelerou o meu pensamento, a minha criatividade: descobri que criar é, de facto, um ato de liberdade, com múltiplas possibilidades de expressão.

Como descreveria a sua abordagem à gastronomia? E esta, mudou com o passar dos anos?

Procuro que a minha cozinha seja genuína, com alma e um toque de criatividade, mas também sou capaz de fazer um prato muito tradicional. Posso dizer que os meus pratos são feitos à minha medida e evoluem conforme eu também vou crescendo. Tudo me influencia e me inspira: o passado, o presente, os meus gostos, as minhas descobertas, as pessoas, as imagens, as texturas, as histórias, as viagens…, mas também tenho um lado introspetivo, reflexivo. Conjugo o meu mundo interior e o mundo exterior. Habitualmente, faço as combinações de sabores, de texturas e de temperaturas mentalmente e só depois é que executo. A cozinha que melhor me define é a do Belcanto, onde oferecemos uma cozinha portuguesa contemporânea. É mais conceptual, reflete a minha evolução enquanto cozinheiro. Como costumo dizer, cada prato conta uma história e procura emocionar quem o aceita provar.

Uma experiência que deixa boas memórias.

O que hoje sou é a soma de todas as vivências que tive. Espero continuar a ter a possibilidade de evoluir e de aprender.

Como é vista a nova gastronomia portuguesa fora de Portugal?

Fico contente com a visibilidade que a cozinha portuguesa tem vindo a ganhar. Na verdade, a cozinha portuguesa sempre foi muito rica e diversificada. Temos excelentes pratos e produtos e sempre tivemos bons restaurantes, com cozinha portuguesa, por todo o país. Em termos do que se designa “fine dining” a oferta não era tão grande como é hoje. Há cada vez mais chefs interessados em oferecer alta-cozinha portuguesa. Estão a ser aplicadas técnicas de alta-cozinha a receitas tradicionais, não tanto com o objetivo de as transformar, mas antes de levar estas receitas mais além. Como digo muitas vezes, acredito que temos uma das melhores cozinhas do mundo, e alguns dos melhores produtos do mundo, como é o caso do nosso peixe e marisco.

O prato favorito da sua infância.

São muitos os pratos que me ficaram na memória, porque sempre dei muita importância ao que era posto na mesa. Na verdade, no Natal, interessava-me muito mais a mesa de Natal do que os presentes. Mas talvez possa destacar o Bacalhau à Brás. Ao longo dos anos fui aperfeiçoando a receita e hoje sirvo a minha receita de Bacalhau à Brás no Páteo do Bairro do Avillez. O “meu” Bacalhau à Brás é servido com azeitonas “explosivas”, uma esferificação de sumo de azeitona que aprendi a preparar no El Bulli.

O prato favorito para encomendar quando vai jantar fora.

O Mergulho no mar do Belcanto, o Bacalhau à Brás do Páteo do Bairro do Avillez, as Gambas do Algarve em ceviche e os Cornettos temaki de atum do Mini Bar...

O menu por si criado até hoje mais ‘desafiante’ e bem sucedido.

A alta-cozinha é um quebrar de barreiras e é onde posso expressar todo o meu conhecimento e criatividade. No entanto, não sei dizer qual foi o menu mais desafiante porque a complexidade nem sempre está na execução, às vezes está no próprio processo que levou à criação do prato.

Uma cozinha funcional e bonita deve ser/ter...

Numa cozinha não podem faltar conhecimento, ingredientes com muita qualidade e…arrumação.

Três utensílios de cozinha que nunca podem faltar.

Uma boa faca, um tacho de cobre e um almofariz. A faca e um tacho de qualidade são imprescindíveis; o almofariz, para mim, é um utensílio fetiche.

O ingrediente mais exótico num dos seus menus.

Samos de Bacalhau, faz parte do Caril de Lavagante, e é servido no Belcanto.

O minidoméstico mais útil na sua cozinha.

Os utensílios são ferramentas importantes, mas considero que o segredo do sucesso é sempre o conhecimento, porque é essencial para escolher e trabalhar com os produtos e os utensílios. Aqueles que considero indispensáveis variam consoante o tipo de cozinha que pretendo preparar, mas passam por: boas facas, bons tachos, um bom robô de cozinha, um bom fogão e um bom forno. Para preparar alta-cozinha, não dispenso o roner e a máquina de selar a vácuo.

Guilty pleasure favorito?
Queijos… muitos e bons e, de vez em quando, umas batatas fritas.

Um bom conselho para quem quer ser chef.

Que escolham esta profissão se a cozinha for, de facto, uma paixão, que trabalhem muito, viajem, aprendam o mais que puderem e terminem primeiro o 12º ano ou o ensino universitário. Os estudos são uma bagagem importantíssima. O bom chef de cozinha é também o que sabe gerir o seu negócio e a equipa que lidera. Que incute nos outros rigor e paixão pelo trabalho. Tenho a sorte de trabalhar com um vasto grupo de pessoas que partilham comigo esses valores.

Descarregue a Revista Smeg para ler todas as entrevistas completas e ver os editoriais. A revista que o vai inspirar, seja na cozinha ou nos mundos do design e da arquitetura. 

Download Revista