Ljubomir Stanisic

Com ou sem maneiras. Ljubomir Stanisic é um nome a que poucos ficam indiferentes. Generosa e surpreendente, a sua cozinha tão pouco nos deixa insensíveis. Depois de tanto, e de tudo, ele sonha com uma vida simples. Com o Alentejo e um restaurante ao serviço da comunidade. Atualmente, o 100 Maneiras, já conta com uma estrela MICHELIN.

A vida é feita de vitórias e derrotas. Que momento menos feliz se revelou, no fim do dia, uma oportunidade?

A falência do meu primeiro 100 Maneiras, em Cascais. Costumo dizer que aprendi muito mais com as derrotas do que com as vitórias e a verdade é essa. Mudou-me como cozinheiro e dono de restaurantes, ao forçar-me a ser eu próprio, a fazer a minha cozinha e não a cozinha que eu achava que devia fazer, e a rodear-me de uma equipa capaz de controlar muito melhor que eu aspectos como a gestão financeira, que é essencial para o sucesso de qualquer negócio. E mudou-me também enquanto ser humano, tornou-me mais humilde e ensinou-me a valorizar ainda mais as verdadeiras amizades - e os verdadeiros profissionais.

O que mudou na sua relação com a cozinha nestes últimos anos?

Gosto, cada vez mais, de estar no campo e de cozinhar com o que me rodeia. Acho que sou cada vez mais “bicho do mato” – o que, e não é por acaso, é também o nome da cerveja artesanal que produzi com a Cerveja Letra e do vinho branco que lancei agora com um enorme amigo e um dos melhores produtores de vinho que conheço, o Dirk Niepoort (dois dos produtos que estão na loja online, lançados em Agosto, a conhecer em www.ljubomirstanisic.pt).

A minha primeira grande experiência de cozinha verdadeiramente local foi o Papa Quilómetros - que nasceu, primeiro, como livro e depois se transformou num programa de televisão, transmitido em Portugal pelo ‘24 Kitchen’ e um pouco por toda a Europa nos canais da Fox Chanels. Andámos de norte a sul do país, a descobrir os produtos, os produtores, as tradições gastronómicas... Mais tarde, no Six Senses Douro Valley, onde fui consultor entre 2016 e 2019, tive a oportunidade de ter uma horta biológica incrível, a partir da qual recolhíamos muitos dos produtos com que cozinhávamos. Foram tudo passos neste caminho que me torna cada vez mais próximo da terra, do produto. Mais do que “farm to table”, é table @ the farm. A mesa está cada vez mais no meio do campo :)

O que o faz feliz?

As coisas mais simples. Uma ida à praia, cozinhar com o que apanharmos, beber um vinho sobre a areia - um dos primeiros encontros com a Mónica, a minha mulher, foi assim. Comprámos um vinho terrível, no único sítio que encontrámos aberto, uma mercearia pequenina, perto da praia. Mas continua a ser dos melhores vinhos que bebi. Porque foi bebido ali, com ela.

Experiências que deixam um sabor amargo na boca.

Mau serviço. Comida insossa. Cozinha feita sem amor.

Memórias que perduram no seu palato.

Cabeça de vaca. O único prato que o meu pai fazia. E pasteta, um paté de fígados que fazia parte das refeições que nos davam enquanto refugiados e que eu adorava.
Trocava sempre o resto da minha refeição pelas pastetas dos outros. Repliquei ambos no menu do novo restaurante 100 Maneiras, no Bairro Alto (o restaurante que é parte da minha história de vida e demorou quatro anos a ser pensado e criado).

Em que medida as suas origens influenciaram um menu?

São mais de vinte anos de cozinha, mas acho que A História, o menu que sirvo no novo 100 Maneiras, é o menu mais provocativo e estimulante que criei até hoje. Por uma razão muito simples: sou eu, por inteiro. Debati-me muito antes de o conseguir imaginar. Antes do 100 Maneiras abrir, viajei muito, comi muito, quis perceber o que outros chefs andavam a fazer. Sentia-me criativamente bloqueado, pela primeira vez na vida. Mas quando terminei as minhas viagens, pensei: que se lixe. Não vou fazer nada disto. Rasguei todas as notas que tinha tirado e comecei do início. Olhei para a minha história e imaginei o “Bem-vindos à Bósnia”, o primeiro momento de todos os menus, compostos por uma selecção de pratos típicos da Bósnia, que reflecte o início da minha vida. Cada prato desse primeiro menu contava uma história: o “Charuto de Sarajevo”, que me lembra uma cidade que eu amo mas que recordo sempre cheia de fumo e fumadores, “A Última Ceia”, a cabeça de vaca que é a única receita que o meu pai me deixou, ou “A Fumo e Fogo”, a sobremesa que criei depois de passar por quilómetros e quilómetros de estrada ladeada por incêndios na região centro e cujo cheiro nunca mais esqueci.

O que não pode faltar na sua casa?

Amigos, família e uma boa cozinha.

E na sua mala de viagem?

As minhas facas. Vão comigo para todo o lado.

Um sonho por realizar.

Mudar-me de vez para o Alentejo. Abrir um restaurante que envolva toda a comunidade - usar o queijo feito pela vizinha, os vegetais produzidos mesmo ali ao lado, a carne dos animais que pastam nos nossos campos… Já esteve mais longe (risos).

O que diria a quem sonha com uma carreira como chef?

O meu conselho é para quem quer ser cozinheiro. Chef de cozinha é uma posição a que se chega com trabalho e anos de experiência. Mas só um bom cozinheiro pode chegar a chef. Por isso, a minha resposta é: comer, comer, comer. Não ter medo de provar. Há coisas que não se aprendem nos livros. Quanto mais comermos, quanto mais experimentarmos, mais treinamos o nosso paladar e isso é essencial para ser um bom cozinheiro.

Descarregue a Revista Smeg para ler todas as entrevistas completas e ver os editoriais. A revista que o vai inspirar, seja na cozinha ou nos mundos do design e da arquitetura. 

Download Revista